13.10.04

«Não era bem isto que eu queria...»

Há quase um mês, sem qualquer conhecimento directo do caso, arrisquei uma conjectura sobre as causas reais da universalmente famosa Crise das Listas.

«Eu bem disse» é uma coisa que nunca se deve dizer, mas eu vou dizê-la. Lendo os jornais de hoje (Público e DN, por exemplo) começamos a perceber o que de facto se passou. Eis um resumo retirado do DN:

1. O caderno de encargos do concurso falava de 70 mil candidatos, mas acabaram por ser 110 mil.

2. O Ministério apresentou 14 versões diferentes dos formulários de candidatura via electrónica.

3. A 26 de Março, o Ministério concluiu que não tinha capacidade para introduzir os dados no computador.

4. As regras interpretativas do diploma dos concursos foram sucessivamente alteradas. O primeiro documento, entregue a 12 de Abril, foi logo modificado a 19 e 29 do mesmo mês.

5. Após a publicação das primeiras listas provisórias, ocorreram 14 reuniões, algumas de 14 e 16 horas, nas quais os técnicos do ministério emitiram frequentemente opiniões contraditórias sobre a interpretação correcta da lei.

6. Ainda em 13 e 17 de Setembro, o Ministério voltou a alterar as especificações.

Admito que a empresa pinte o quadro com cores demasiado sombrias. Mesmo assim, o retrato geral parece-me claro.

Se fossemos um país normal, se em vez de buscarmos culpados para expor à execreção pública procurássemos soluções práticas para os problemas, esta situação seria escalpelizada seriamente como um case-study que revela em todo o seu esplendor o que está errado na nossa administração pública (e também em muitas empresas privadas, acrescento eu).

Um dos mais frequentes sintomas da incompetência é a imposição de objectivos impossíveis de cumprir, desde logo no que respeita aos prazos propostos. Neste caso, tudo começa por uma lei tão mal concebida que é impossível pôr duas cabeças de acordo sobre o que ela quer dizer, e continua pela ausência de alguém que realmente assuma a responsabilidade pela condução do processo.

As causas são muitas e complexas. Podemos identificá-las e analisá-las pacientemente e alterar métodos de organização e de trabalho, ou podemos prosseguir a arruaça, certos de que, na primeira oportunidade, as mesmas causas voltarão a produzir os mesmos efeitos.

É nestas pequenas coisas que se comprova que o espírito da revolução científica ainda não passou por aqui.

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