Há quase um mês, sem qualquer conhecimento directo do caso, arrisquei uma conjectura sobre as causas reais da universalmente famosa Crise das Listas.
«Eu bem disse» é uma coisa que nunca se deve dizer, mas eu vou dizê-la. Lendo os jornais de hoje (Público e DN, por exemplo) começamos a perceber o que de facto se passou. Eis um resumo retirado do DN:
1. O caderno de encargos do concurso falava de 70 mil candidatos, mas acabaram por ser 110 mil.
2. O Ministério apresentou 14 versões diferentes dos formulários de candidatura via electrónica.
3. A 26 de Março, o Ministério concluiu que não tinha capacidade para introduzir os dados no computador.
4. As regras interpretativas do diploma dos concursos foram sucessivamente alteradas. O primeiro documento, entregue a 12 de Abril, foi logo modificado a 19 e 29 do mesmo mês.
5. Após a publicação das primeiras listas provisórias, ocorreram 14 reuniões, algumas de 14 e 16 horas, nas quais os técnicos do ministério emitiram frequentemente opiniões contraditórias sobre a interpretação correcta da lei.
6. Ainda em 13 e 17 de Setembro, o Ministério voltou a alterar as especificações.
Admito que a empresa pinte o quadro com cores demasiado sombrias. Mesmo assim, o retrato geral parece-me claro.
Se fossemos um país normal, se em vez de buscarmos culpados para expor à execreção pública procurássemos soluções práticas para os problemas, esta situação seria escalpelizada seriamente como um case-study que revela em todo o seu esplendor o que está errado na nossa administração pública (e também em muitas empresas privadas, acrescento eu).
Um dos mais frequentes sintomas da incompetência é a imposição de objectivos impossíveis de cumprir, desde logo no que respeita aos prazos propostos. Neste caso, tudo começa por uma lei tão mal concebida que é impossível pôr duas cabeças de acordo sobre o que ela quer dizer, e continua pela ausência de alguém que realmente assuma a responsabilidade pela condução do processo.
As causas são muitas e complexas. Podemos identificá-las e analisá-las pacientemente e alterar métodos de organização e de trabalho, ou podemos prosseguir a arruaça, certos de que, na primeira oportunidade, as mesmas causas voltarão a produzir os mesmos efeitos.
É nestas pequenas coisas que se comprova que o espírito da revolução científica ainda não passou por aqui.
13.10.04
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