21.10.04

Esquerda, direita, um, dois

Pacheco Pereira pergunta hoje no Público se Pound, Kafka, Wagner e Proust eram de esquerda ou de direita. A resposta é simples, mas talvez irrelevante.

Pound era fascista militante de cartão passado - não estou a dar novidade nenhuma a ninguém.

Kafka, que eu saiba, nunca se interessou por política.

Wagner esteve com Bakunine nas barricadas de Dresden em 1848. Depois, como muitos outros românticos, acreditou que a verdadeira revolução só a arte a podia fazer. Desinteressou-se progressivamente da política, mas não se pode ignorar que os poderosos mitos por ele criados inspiraram o nacional-socialismo.

Proust - basta ler a sua ficção para ficar a sabê-lo - enquadrava-se perfeitamente naquilo a que hoje chamaríamos esquerda moderada. Herdou do pai a simpatia pelo republicanismo laico. Tomou posição em defesa de Dreyfus, embora não fosse inteiramente imune ao anti-semitismo. Apesar do seu snobismo, ou talvez por causa dele, sempre manifestou um espírito inteiramente democrático ao lidar com as classes populares.

E onde nos leva tudo a isto? A parte nenhuma: eu gosto muito tanto de Proust como de Conrad, que, pelo seu lado, era um conservador empedernido e sábio. Aprecio moderadamente Wagner, tal como Kafka. Não tenho opinião sobre a poesia de Ezra Pound, porque os Cantos estão lá em casa à espera de ser lidos. E por aí fora.

Por outras palavras, o posicionamento político só parcialmente afecta os meus julgamentos estéticos. (É verdade: não posso jurar que não afectem nada.)

As ideias reaccionárias de Wagner são centrais em muita da sua música, mas é complicado explicar. Proust discute por vezes abertamente temas políticos, mas é evidente que esse é um aspecto secundário da sua obra. A apropriação política de Kafka foi um fenómeno tardio, porque quando ele escreveu nem a burocracia nem o assim chamado totalitarismo ocupavam um lugar de destaque no debate político.

Pegar na distinção entre esquerda e direita por este lado não é, parece-me, grande ideia.

More to come.

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