Pondo temporariamente de parte não só as particulares circunstâncias que motivaram o Governo a conceder aos funcionários uma ponte nesta segunda feira, como a minha escassa simpatia por esta instituição nacional, apetece-me chamar a atenção para o modo irracional como este assunto costuma ser discutido.
O Diário de Notícias de hoje chama para título principal esta preciosidade: «Feriados e pontes custam por ano ao País 3% do PIB». Como é que eles sabem? Como é que chegaram a essa estimativa? Parece que um professor universitário fez as contas, mas o DN não teve a bondade de explicar.
Tenho notado que, tirando os funcionários públicos, são principalmente os comerciantes que aproveitam as pontes para deixar uma rapariga a tomar conta da loja e passar um fim de semana prolongado no Algarve. São hoje muitas raras as empresas que de facto fecham, e incluo aqui as empresas públicas. Portanto, por este lado, não vejo qualquer quebra da produção.
No que respeita ao funcionalismo público, o PIB só sofreria directamente se os seus vencimentos não fossem pagos, porque é através deles que é avaliada a sua contribuição para o produto. Como isso não aconteça, também por aqui pode a Nação sossegar.
Pode-se todavia argumentar que, quando os funcionários públicos não vão trabalhar, consome-se menos electricidade, água, telecomunicações, papel de fotocópias, papel higiénico, e por aí fora. É verdade que essa redução na procura pode reflectir-se negativamente na produção nacional, com a condição de que esses bens e serviços não sejam importados. Em contrapartida, porém, reduz-se a despesa pública, o que, como se sabe, é o grande desígnio nacional para o século XXI.
Se queremos reduzir o déficite deveríamos, por conseguinte, aumentar em vez de reduzir o número de pontes e esquecer a preocupação com o PIB.
Mas é claro que tudo isto não passa de uma tolice pegada. As pessoas que estas coisas pensam, escrevem ou reproduzem imaginam que o aumento do PIB é algo desejável independentemente das consequências que tenha sobre o bem-estar das pessoas.
Para serem coerentes, deveriam conceber outros títulos de primeira página do género:
«Intervalos para almoço custam por ano 15% do PIB»
«Hábito de ter filhos custa por ano 20% da riqueza do país»
«Mania de dormir todos os dias custa por ano 50% da riqueza do país»
Esta irritação com as pontes é especialmente deslocada porque em Portugal, é bem sabido, trabalha-se horas de mais, não de menos, precisamente porque a produtividade horária é muito baixa e só assim se consegue disfarçar um pouco.
Além disso, a opção pelo descanso em detrimento do trabalho não pode ser criticada em termos económicos.
A produtividade horária americana é mais baixa do que a da França. Porém, como os americanos preferem trabalhar mais horas, acabam por compensar desse modo a sua ineficiência relativa (quem já trabalhou com americanos sabe o que eu quero dizer). Mas trabalhar mais horas não é uma virtude, é uma escolha. O que é que é melhor: ter mais horas para dedicar à família, à cultura ou ao desporto, ou trabalhar mais tempo e poder trocar de carro com mais frequência?
A teoria económica não faz, nem pode fazer, qualquer juízo a esse respeito, porque não há nenhuma forma absoluta e objectiva de comparar preferências.
Podemos até especular que os americanos temem o lazer porque não saberiam o que fazer com ele. A este propósito, Nietzsche ironizou que o descanso dominical foi inventado pelos patrões para que os trabalhadores, esgotados pelo tédio do fim de semana, regressassem depois ao trabalho com entusiasmo redobrado.
6.10.04
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