6.5.05

O direito à matemática

Não vi ninguém notar que, no célebre ranking que avalia as competências matemáticas dos estudantes portugueses do secundário em comparação com os de diversos outros países, Portugal está coladinho aos EUA.

Este simples facto basta para demonstrar que não existe nenhuma relação entre essas competências e a chamada competitividade do país.

Os americanos sabem perfeitamente que, numa perspectiva estritamente produtivista, basta perfeitamente que o povo saiba ler, escrever e contar passavelmente. O resto resolve-se com formação e treino profissional.

Quanto às elites dirigentes, essas prepararam-se ao nível universitário e, aí sim, é preciso dotar os alunos de aptidões elevadíssimas adequadas ao trabalho qualificado que irão desenvolver.

O que distingue a Finlândia e a Coreia do Sul, países que ocupam o topo da classificação, dos que ficam cá mais para baixo, como os EUA, Portugal, a Itália ou a Espanha, é que lá predomina uma cultura igualitária.

Na Finlândia, em particular, acha-se que os meninos e as meninas - todos os meninos e todas as meninas - devem ter acesso ao melhor que a sociedade humana lhes pode oferecer em todos os domínios, incluindo obviamente a matemática, mas também as artes, a música e o desporto.

Os jovens finlandeses não são só superiores aos portugueses na matemática. Eles também são melhores a falar inglês, a tocar instrumentos ou a saltar à vara.

Esta ideia, que agora estamos a querer adoptar, de que a escola serve exclusivamente para preparar as pessoas para o mundo do trabalho, é uma monstruosidade baseada na incapacidade para distinguir entre educação, ensino, formação, treino e adestramento.

Todas essas coisas são necessárias numa sociedade moderna, desde que tenham lugar no sítio próprio.

O ensino público foi criado nos países nórdicos pelos protestantes para as crianças aprenderem a ler a Bíblia, não para aprenderem um ofício. Mais tarde, os democratas impuseram o ensino obrigatório porque achavam, e bem, que quem não sabe ler, escrever e contar não pode ser um cidadão livre.

Para surpresa geral, essas reformas revelaram-se boas para a economia, embora não fosse esse o seu propósito inicial. Foi por isso que, mesmo em Portugal, onde a educação popular continua a ser considerada um fardo (vidé a política para o audiovisual), a classe dirigente lá se resignou finalmente a investir um cobres na alfabetização da plebe, sem nunca deixar de chorar-se.

Todavia, não percebe bem como isso se faz. Melhor dizendo: não percebe nada.

Quando me referi à matemática como um luxo num post de há dias, não pretendi defender que se desse menos importância à matemática. Bem pelo contrário, pois acho que o povo tem direito a certos luxos.

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