3.5.05

O tio Ercílio

O meu tio Ercílio era louco por matemática. O melhor presente que podiam oferecer-lhe era um Caderno de Problemas do Professor Palma Fernandes.

Certa vez, quando uma companhia de circo parou na localidade dos arredores do Porto onde ele vivia, travou amizade com o ilusionista, também ele um entusiasta do cálculo. O meu tio ajudava-o a resolver problemas; o ilusionista, em contrapartida, ensinava-lhe truques de prestidigitação.

O meu tio não tirou nenhum curso, nem sequer estudou muito. Chegado à idade adulta, emigrou para Moçambique e por lá fez a sua vida.

De vez em quando, sem aviso prévio, aparecia por cá de férias, como um relâmpago em céu azul, e do mesmo modo desaparecia durante anos sem deixar rasto. Vivia em permanentemente estado de entusiasmo com os projectos mais estranhos, que depois punha em prática com método e persistência.

Quando nasceu a sua filha, a Lili, decidiu no mesmo instante que ela haveria de ser campeã de natação. Aos quatro meses de idade atirou-a para a piscina e nunca mais a deixou sossegada. Doze anos depois, ela era mesmo campeã de natação.

Sempre gostei muito do meu tio Ercílio, um optimista incorrigível que espalhava a boa disposição à sua volta.

Nunca notei, porém, que a matemática o tivesse ajudado a pôr ordem na sua vida.

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