17.7.08

O elo mais fraco

"Já viste o carro novo dos de baixo? No ano passado foram de férias para o Brasil; agora, diz que é um safari no Quénia. E a gaja, que só compra vestidos de marca? Não sei onde arranjam dinheiro para levarem esta vida..."

O equivalente sofisticado desta tagarelice mesquinha é a crítica moralista do endividamento das famílias portuguesas, quando elas se têm limitado a fazer aquilo que a teoria económica prevê.

Escondem-se nesse comentário múltiplas confusões, mas hoje vou falar só de uma, aquela que baralha o endividamento excessivo das famílias com o endividamento excessivo do país.

Em geral, as pessoas contraem as dívidas que acreditam poder vir a pagar, como se constata pelo facto de ser baixíssima a taxa de incumprimento. Há gente muito tola, mas, ao contrário do que supõem os pregadores de ocasião, a esmagadora maioria sabe o que faz.

Acontece, porém, que o endividamento razoável das famílias pode conduzir a um endividamento irrazoável do país.

Antes de pertencermos à zona euro, o problema resolvia-se através da subida da taxa de juro, a qual sinalizava aos particulares que o país como um todo estava a recorrer excessivamente à poupança externa para suprir a carência de poupança interna.

Agora, porém, já não é assim. A taxa de juro é fixada em função das condições gerais da zona euro, e não das nossas em particular. O resultado é que o dinheiro está em Portugal há mais de dez anos muito mais barato do que deveria ser.

Nas condições actuais, o país não dispõe, portanto, de instrumentos de política monetária que lhe permitam resolver a situação.

Pergunta-se, então, de que forma se poderá fazer o ajustamento necessário para suster o contínuo agravamento da dívida externa. Sendo as coisas o que são, só o aumento do desemprego resolverá o problema.

O mais extraordinário é que, quando aderimos ao euro, muito poucos economistas profissionais - recordo-me apenas de João Ferreira do Amaral - chamaram a atenção para isto. E agora?

3 comentários:

Luis M. Jorge disse...

João, a história dos mísseis iranianos continua a provocar gargalhadas na comunidade de fotógrafos profissionais. Ninguém percebe:

http://theonlinephotographer.typepad.com/the_online_photographer/2008/07/around-the-web.html

NC disse...

gostei da sua análise. Muito interessante.

Acho que a opção por "largar" um instrumento de política monetária advém de todas as outras vantagens obtidas na união monetária.

Vir agora enfatizar os custos dessa opção é quase como dizer que não faz sentido recorrer ao crédito porque se paga mais do que comprando a pronto.

Helena Garrido disse...

Caro João,
Muito interessante mas não concordo inteiramente como já escrevi. Deixo aqui uma questão sobre a qual não escrevi: O que é um "endividamento irrazoável" em moeda única? O nosso actual endividamento, da ordem dos 90% do PIB (segundo Posição de Investimento Internacional de 2007) é irrazoável? Uma mdeida pode ser a taxa de crescimento nomianl do PIB ser inferior à taxa de crescimento do endividamento. Que acha?