3.3.04
Em louvor do tabaco
Esta coisa de toda a gente estar a deixar de fumar não pode ser encarada como um mero problema de saúde pública. Trata-se, não duvidem, de um verdadeiro retrocesso civilizacional.
Um mundo que não fuma é, necessariamente, um mundo que não sonha, ou que sonha menos, ou que sonha pior. A curva de popularidade do fumo acompanhou de perto, quer-me a mim parecer, a ascensão e queda do romantismo enquanto movimento social e artístico, ou melhor, enquanto forma de estar e de ser.
Um mundo que não fuma é um mundo que quer a todo o custo viver mais, nem que seja pior. Que cuida muito de factos, de números, de médias, de tendências, de leis, de organizações, e para o qual, por consequência, a saúde é um mero fenómeno estatístico. Assim sendo, este mundo atenta pouco no acontecimento e no momento irrepetíveis que, maravilhando-nos, nos proporcionam o acesso directo à felicidade.
Um mundo que não fuma é um mundo que não medita, não convive, não discute, não se exalta, não conversa, não namora, muito menos seduz.
Primeiro, proibiram o fumo nos cinemas, depois nos autocarros e nos aviões, agora no futebol. Que enorme, que inconcebível degradação da nossa qualidade de vida!
(E como é possível ver-se futebol sem fumar? Fosse alguém tentar explicar uma coisa dessas ao meu avô!)
Com a generalização do consumo do tabaco, o planeta conheceu o período de mais intenso crescimento da produtividade de toda a história da humanidade. A indústria expandiu-se, as cidades cresceram, a agricultura floresceu. Os transportes e as telecomunicações aproximaram os homens. O analfabetismo foi erradicado em todos os países civilizados. O número de cientistas vivos excedeu o de todos os que existiram até hoje. Fomos à Lua, estamos a iniciar a exploração de Marte. Descobrimos os segredos essenciais da matéria e da vida. E eis que, no auge desta epopeia, um bando de insensatos disfarçados de benfeitores da humanidade decidiram atacar o motor de todo este progresso: o tabaco. Esperem pela pancada!
Neste mundo não há, evidentemente, lugar para Humphrey Bogart. Mas também não o há para Churchill, porque Churchill sem charuto não faz sentido. E Sherlock Holmes, e Sartre, e Mae West? Também não têm lugar, nenhum deles tem lugar. Os grandes fumadores foram, bem vistas as coisas, a pleiade dos nossos tempos.
O tabaco foi banido, a cerveja só é aceitável se não tiver álcool, o açúcar está mal visto... Vivemos hoje num mundo de meninas, essa é que essa.
Depressa, um novo vício, por favor!
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