A opinião pública portuguesa é tão tristemente previsível na sua ignorante mediocridade como o movimento das marés determinado pela sucessão das fases da Lua.
Israel abate o xeque assassino, e toda a gente se indigna com a morte violenta de um pobre e doente velhinho que os netinhos levavam ao jardim para apanhar sol na sua triste cadeira de rodas.
Um juíz decide que não há razão para proceder criminalmente contra ninguém no caso da ponte de Entre-Rios, e toda a gente que ignora tudo sobre o assunto se indigna com mais este inacreditável atropelo à justiça.
Hoje, a indignação do dia é a constatação de que só 42% das empresas pagam impostos sobre os lucros, visto que declaram não os ter.
Gerou-se desde há anos na sociedade portuguesa, e particularmente à esquerda, a ilusão de que, se as empresas pagassem o que deviam pagar, o Estado nadaria em dinheiro. Ora a verdade é que a fuga aos impostos é uma realidade marginal nas empresas que operam legalmente (a economia subterrânea é outra história), e os malefícios dela resultantes são principalmente as distorções que provocam na alocação dos recursos produtivos.
Devemos combater a fuga dos impostos porque é socialmente injusta e porque entrava o desenvolvimento do país, não porque os montantes envolvidos sejam de facto mirabolantes.
Na imaginação popular, um empresário (ou um patrão, como se diz na linguagem popular) é um tipo cheio de massa. Na realidade, porém, as empresas em nome individual, que predominam largamente na nossa economia, desenvolvem uma actividade irregular, camuflam situações de subemprego e remuneram muito mal os seus proprietários. Porque, na verdade, esses patrões que os nossos jornalistas ficcionam a acumular fortunas debaixo do colchão não são nem mais nem menos do que merceeiros, subempreiteiros da construção civil e comerciantes de feira que auferem vencimentos pouco acima do salário mínimo.
A maioria dessas empresas mal consegue cobrir os seus custos correntes. Quando, devido a factores ocasionais e irrepetíveis, logram gerar um pequeno excedente, é evidente que o distribuem sob a forma de suplemento salarial e não de lucros. Ou vocês imaginam que só os administradores dos bancos têm direito a prémios de desempenho?
O combate a essa dita fraude nunca se fez nem nunca se fará, nem aqui nem em nenhuma outra parte do mundo, e isso apenas porque: a) a fraude não existe; b) se existisse, a sua detecção não compensaria o custo inerente ao esforço adicional de fiscalização.
Todo este barulho resulta, portanto, de muita gente falar com enorme facilidade daquilo que não se sabe.
Venha daí a próxima indignação!
29.3.04
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