Uma coisa que os últimos dias revelaram é que os nossos bushistas domésticos não se deixam atrapalhar pelos factos quando eles não convêm aos seus argumentos.
Pacheco Pereira é uma das mentes mais perturbadas, como se prova pelo artigo de opinião de hoje no Público.
Não, não é verdade que depois do 11 de Setembro os europeus se tenham des-solidarizado dos americanos. Não, não é verdade que se tenham mostrado indisponíveis para acompanhar os aliados de além-atlântico quando a parada subiu.
A verdade, bem pelo contrário, é que os EUA beneficiaram de um apoio quase universal nos meses seguintes, e que essa simpatia se materializou numa assistência incondicional às operações conduzidas contra o regime talibã afegão.
A coligação rompeu-se apenas quando a administração Bush abandonou o combate ao terrorismo para conduzir uma operação infundada e disparatada contra o Iraque. Está hoje claro para todos os que querem ver que a invasão do Iraque não tinha qualquer relação com o 11 de Setembro.
O Iraque não tinha armas de destruição massiva. O Iraque não fomentava o radicalismo fundamentalista. O Iraque não dava abrigo à Al-Qaeda. O Iraque não apoiava financeira ou logisticamente a Al-Qaeda.
Nessas condições, o mínimo que se pode dizer é que as razões do encarniçamento de Bush contra o Iraque permanecem obscuras.
Após a invasão do Iraque, os grupos terroristas retomaram progressivamente o controlo do Afeganistão e cercaram de novo as tropas aliadas em Cabul. O Iraque tornou-se, agora assim, numa das principais bases terroristas. E, finalmente, os principais bastiões dos terroristas, a Arábia Saudita e o Paquistão, não foram sequer beliscados.
Há um ano, podia-se legitimamente hesitar sobre a via mais correcta a tomar perante a decisão americana de atacar Saddam e abrir uma nova frente de combate. Não se sabia muita coisa, e ninguém podia assegurar que não houvesse armas de destruição massiva. Hoje sabemos -- sabem todos os que não querem fechar os olhos -- que essa operação equivaleu a lançar gasolina sobre o fogo. Nada melhorou, tudo se complicou.
Deveremos permanecer cegamente prisioneiros do aventureirismo de Bush e dos neo-conservadores? Hoje, o combate sério contra o terrorismo, no Iraque e no resto do mundo, tem como condição prévia o afastamento de Bush e dos dirigentes políticos de outros países que com ele alinharam.
Para fugir a estas conclusões incontornáveis, Pacheco Pereira e outros que tais enveredam por raciocínios cada vez mais retorcidos. A peroração moralista que divide os povos do mundo em, por um lado, os bravos (os americanos e, até ver, os britânicos), e, por outro lado, os cobardes (tipicamente os franceses e os espanhóis) é um argumento de uma tal inépcia que só não provoca a gargalhada universal porque já nos habituámos à indigência intelectual desta nova fornada de direitistas belicistas.
Mas o supra-sumo da falta de argumentos racionais tem lugar quando Pacheco nos vem dizer que o que lhe interessa a ele não é «nem a análise espanhola, ou europeia, ou americana, é a análise da Al-Qaeda». Isto é uma forma de discutir um bocadinho estalinista, não vos parece?
Errar é próprio do homem, dizia Santo Agostinho. Mas persistir no erro, acrescentava ele, é coisa do demónio.
18.3.04
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