7.1.05

Da indignação como modo de vida

A mim cai-me um bocadinho mal esta vozearia permanente de gente que vive a indignar-se com isto e com aquilo.

Com franqueza, até parece que não sabem fazer mais nada,

«E que faz você na vida?» «Eu indigno-me, não se está mesmo a ver?»

Os jornais têm todos aquelas inúteis colunas de citações do dia, tipo «Diz-se» do Público, cheias de frases indignadas, bradando, eternamente bradando contra a indiferença, a imoralidade, o cinismo, os partidos ineptos, os políticos vendidos, os empresários corruptos, os funcionários preguiçosos, os estudantes ignorantes, e por aí fora. É inútil procurarem uma frasezinha com algum conteúdo, porque, se acaso tiver sido escrita, ninguém a recolheu.

O tema, de facto, pouco importa, o que conta é a forma.

Não é o objecto que está em causa, porque a gente, no fundo, pode indignar-se com qualquer coisa. Basta ter feito mal a digestão ou ter levado tampa da namorada, e aí estamos nós a amaldiçoar a pátria e quem a pariu.

Hoje é a vez de Sousa Tavares, aliás um dos mais destacados praticantes do género, encher uma página de impropérios no Público contra as «mentalidades», o «reles oportunismo» ou a «irresponsabilidade patológica». Nunca ninguém lhe terá ensinado que as palavras, de tanto serem usadas sem conta, peso e medida, acabam por se gastar?

Às vezes penso que a causa de tudo isto é a falta de assunto. Ao fim e ao cabo, à falta de competência numa qualquer área particular de pensamento ou de acção, um sujeito pode sempre indignar-se.

E, quando dá por ela - vejam lá! - já encheu uma página...

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