O Ingres, fez notar a Charlotte num comentário que aqui deixou, «pintou mulheres feias até dizer chega!»
A bem dizer ele não pintou mulheres nos seus retratos. Pintou poder e dinheiro, que é o que mais vemos nessa extraordinária galeria de burgueses e nobres fabricados à pressa por Napoleão que tenho vindo a reproduzir nos últimos dias.
Nenhum cadeirão, nenhum espelho, nenhuma cómoda, nenhum vaso se encontra lá por acaso. Quase se pode sentir a rica textura das sedas, dos veludos, das rendas, dos bordados e das flanelas. Colares, pulseiras, pedras preciosas, leques e outros adereços são discretamente ostentados, mas mesmo assim ostentados. As mulheres, de seu natural grosseiras, apoiam pensativamente a mão sobre o queixo, lançando sobre nós o olhar tranquilo e perspicaz que o pintor lhes emprestou.
Até o retrato da feíssima e possivelmente pouco inteligente condessa de Tournon, um dos mais fascinantes pelo delicado tratamento do monstruoso, consegue construir uma sugestão de grandeza e dignidade.
E reparem outra vez na representação de Louis-François Bertin, um tipo boçal e impaciente que, com ar enfadado e mãos firmadas nos joelhos, parece ameaçar ir-se embora a qualquer momento se o obrigarem a posar mais um minuto que seja para o pintor.
Estes são os mesmos personagens que o contemporâneo Balzac descreveu nos seus romances. Precisamente por ser um reaccionário no sentimento próprio do termo, Balzac não suportava estes arrivistas endinheirados que por essa altura haviam substituído nos salões, no exército e nos ministérios a velha aristocracia decadente.
Mas o retratismo foi apenas uma das várias facetas de Ingres. A partir de hoje começarei a expor outra delas, em que o recurso a cenas orientais lhe deu um pretexto para abandonar as sólidas matronas parisienses e substituí-las por mulheres exóticas e sensuais.
25.1.05
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