21.10.08

Auto-medicação para fanáticos

Não devemos ser injustos. As tretas do Friedman deram agora barraca, mas, durante trinta anos, trouxeram prosperidade a todo o mundo numa escala sem precedentes.

Será verdade?

Não. Quando, a partir do final dos anos 70, o monetarismo foi adoptado em Inglaterra e, depois, nos EUA, o resultado imediato foi uma crise (ou melhor, duas: uma em cada país) de enormes proporções, da qual só foi possível sair com um aumento sem precedentes dos défices públicos.

As prescrições friedmanianas de controlo do crescimento da massa monetária foram prontamente abandonadas. Passado pouco tempo, nada restava da parte "científica" da doutrina.

Ficou apenas a fé ilimitada nos poderes dos mercados desregulados e a desconfiança doentia em relação aos poderes públicos, "argumentos" suficientes para justificar iniciativas como a diminuição dos impostos sobre os ricos, a desregulamentação financeira, a redução do salário mínimo e, em geral, a desvalorização das políticas sociais.

E os resultados económicos de longo prazo? Ao contrário do que frequentemente se diz, nos países mais desenvolvidos não só o crescimento do produto per capita foi muito mais lento do que nos trinta anos anteriores como as desigualdades se agravaram extraordinariamente.

Curiosamente, o fracasso nunca persuade os iluminados a repensarem as suas crenças, mas em insistirem em mais do mesmo. Se o remédio falha, a única solução é tomar mais remédio.

Isto faz lembrar irresistivelmente a União Soviética. Também aí, o planeamento central não falhou só nos anos terminais da perestroika, mas logo que foi ensaiado pela primeira vez, no período chamado comunismo de guerra. Mas também os soviéticos concluiram do fiasco que o mal não estava na prescrição mas na insuficiência da dose.

7 comentários:

jj.amarante disse...

É a mesma fé inabalável dos crentes. É por isso que a pretensa coerência do Álvaro Cunhal me irritava. O homem dispensava-se de comparar o que se passava no mundo com os seus modelos mentais. O António Borges continua a dizer que os salários dos gestores decorriam do jogo da oferta e da procura e que o sistema falhou porque os governos regularam mal!
Julguei a certa altura que este tipo de convicção inabalável era típica da Idade Média mas afinal ela continua bem presente entre nós. A principal diferença era que na Idade Média estas crenças inabaláveis tinham a ver com a religião propriamente dita enquanto agora focam sobretudo a forma de organizar a economia das sociedades.

Sibila Publicações disse...

Toda fé inabalável está a serviço ou de Deus, ou do Estado, ou do Patrão.

Anónimo disse...

demorou demorou mas lá conseguiu. já conseguiu comparar os EUA à ex-União Soviética; agora, é suposto aquilo ruir.
para grande desgraça sua, não só não acontecerá, como continuará a prosperar tal como prosperou nos últimos 30 anos.
tem dúvidas se prosperou? não discuto questões de fé.

Anónimo disse...

ah, desculpe incomudar de novo, mas continua a faltar a explicação para eles terem optado, no ínicio da década de 90, pelo monetarismo.

eu não sei, mas acho que devia ser por estar tudo bem com aquilo que o senhor defende. pois é pois é...não convém contar aquilo que não interessa...

Anónimo disse...

errata: inicio da decada de 80.

João Pinto e Castro disse...

O Banco de Inglaterra adoptou o monetarismo em 1979. Não há portanto, nada a corrigir.

Anónimo disse...

é no meu segundo comentário que está o erro. escrevi década de 90.

já vi o seu novo post.
eu não discordo de que o que a economia, actualmente, precisa é de keynesianismo, que é uma política conjuntural que deve ser usada quando necessária. tal como martin wolf diz (já agora, recomendo o livro "porque funciona a globalização", deste autor).
o que eu discordo é da sua abordagem ao monetarismo. o senhor põe as coisas nos termos errados; passa por cima da estagflação da década de 70 que levou à falência das políticas keynesianas (que salto cirúrgico), muito por culpa de não terem percebido que o keynesianismo não resolve choques da oferta; dá a entender que os monetaristas são uma seita de fanáticos quando são provavelmente o grupo mais brilhante de economistas que alguma vez trabalharam juntos (fridman e lucas a liderar). os novos keynesianos, como o stiglitz, mankiw, romar (outro brilhante grupo de economistas) discordando dos monetaristas em muitos pontos, também aproveitaram muitas das contribuições daqueles para as suas teorias. e nunca ninguém se lembrou de lhes chamar uma seita.

outra coisa extraordinária foi quando disse isto:

'E os resultados económicos de longo prazo? Ao contrário do que frequentemente se diz, nos países mais desenvolvidos não só o crescimento do produto per capita foi muito mais lento do que nos trinta anos anteriores como as desigualdades se agravaram extraordinariamente.'

quais eram as alternativas? voltamos à estagflação: eram com aquelas políticas de 70 que cresciamos? é que quando se diz: "a vossa política fez isto crescer muito pouquinho", convém dizer que as nossas não estavam a fazer crescer nada. senão, assemelha-se às criticas do psd, quando diz que a despesa desceu pouquinho.